Os sub-19 contam no estágio da Ronda de Elite com um observador discreto muito especial: Rui Moreira, treinador que sofre de paralisia cerebral, está a concretizar o sonho de contactar com um espaço de excelência no futebol.
A força social do futebol é indiscutível e a FPF sabe disso. Há uma consciência de Responsabilidade Social de que a instituição que rege o futebol português não se pode nem se quer demitir, mas nem sempre as ações são tão visíveis como trazer a seleção belga a Portugal depois dos atentados de Bruxelas. O que se está a passar no estágio da Seleção Nacional sub-19, que se encontra concentrada por estes dias em Ofir a propósito da Ronda de Elite de acesso ao Campeonato da Europa de 2016, é bem ilustrativo do posicionamento atento da Federação Portuguesa de Futebol em relação a causas sociais.
Rui Moreira nasceu há 44 anos com paralisia cerebral, uma doença altamente incapacitante, mas isso não o impediu de se apaixonar profundamente por futebol desde muito cedo. As suas limitações na coordenação motora inviabilizaram, naturalmente, uma carreira como jogador mas o sentimento de pertença à "tribo" do desporto-rei não parou de crescer e a ambição de aprofundar os conhecimentos técnicos surgiu com naturalidade. Embora exerça atualmente funções administrativas na Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, o desporto foi sempre uma espécie de "segunda vida" para Rui Moreira desde o dia em que uma lesão o levou ao estádio Marcolino de Castro: "Tive uma tendinite na perna direita e quem conduziu o tratamento foram alguns dos elementos do departamento médico do CD Feirense. A partir daí criei laços de amizade com várias pessoas do clube e comecei mesmo a ir ver jogos com alguma frequência. A minha vida alterou-se e fiquei com uma ligação muito forte aos ‘fogaceiros’, que ainda hoje se mantém", salientou.
O contacto com um espaço de elite como o das seleções nacionais sempre foi um objetivo para este homem que continua com muitos sonhos para a sua vida e conseguiu concretizar um deles através de uma articulação entre a FPF e a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, sustentada num programa que procura sensibilizar mentalidades para promover a integração social através de áreas como a Cultura, a Educação e o Desporto. Rui Moreira reconhece que esta experiência faz parte de um trajeto pelo qual quer enveredar no futuro: "Esta minha experiência junto dos sub-19 tem dois objetivos: aprender o máximo para um dia poder vir a integrar uma equipa de futebol profissional e ainda ser um dos impulsionadores do futebol adaptado no Concelho de Santa Maria da Feira. Sei que as dificuldades pelas quais passo no meu dia-a-dia me vão condicionar, mas acredito que estas metas são perfeitamente alcançáveis", referiu.
António Sá Pereira, provedor-adjunto na Provedoria para as pessoas com Deficiência e Incapacidade (organismo independente que trabalha em colaboração estreita com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira), foi a “ponte” entre a FPF e a autarquia para que Rui Moreira pudesse ter uma oportunidade a que poucos têm acesso. A felicidade por ter aberto esta porta só é superada pela vontade demonstrada pela Federação em continuar a apoiar o futebol adaptado: “O futebol adaptado permite a prática com pessoas com qualquer nível de capacidade. No futsal, por exemplo, os jogadores de campo poderão ter um nível acentuado de limitação visual e os guarda-redes estarem na plenitude das suas capacidades visuais. Esta universalidade do futebol foi uma das razões pelas quais decidimos por implementar modalidade coletiva mas também porque que as regras oficiais consagradas permitem esta diversidade funcional. A presença do Rui aqui é muito importante porque ele está a familiarizar-se com as rotinas de um grupo de trabalho de Seleção e vai ser um dos responsáveis pelo programa de futebol adaptado que vamos implementar no concelho de Santa Maria da Feira.”
Desde que os sub-19 chegaram a Ofir, Rui Moreira tem acompanhado o estágio com a distância a que a intimidade de um grupo concentrado para atingir o grande objetivo da época obriga. A presença nos treinos e nos jogos está sempre assegurada, mas os momentos de maior recolhimento, como as refeições e as palestras, continuam a ser apenas dedicados aos elementos da equipa nacional. Os trabalhos continuam, portanto, a decorrer com toda a normalidade e o respeito pelas regras nunca é quebrado. Nada que impeça Rui Moreira de estar a viver uma experiência fantástica: "Queria muito estar aqui e finalmente consegui-o. Como sou um apaixonado pelo lado técnico do jogo, tenho absorvido tudo o que posso quanto a rotinas de grupo e treinos orientados pelo Emílio Peixe, que me tem surpreendido positivamente pela sua simplicidade, tanto no trabalho como no trato pessoal. O grupo também me recebeu muito bem e estou profundamente agradecido por esta oportunidade. Houve até um jogador [Alexandre Silva] que me disse que ia marcar um golo para me dedicar. Acho que isso diz tudo sobre esta experiência", concluiu.
Carlos Coutada, vice-presidente da FPF, congratulou-se pela presença de Rui Moreira neste estágio da Equipa das Quinas: “Este é um momento muito especial. É muito importante que haja interesse em perceber a nossa realidade, ainda para mais num momento competitivo tão importante. O futebol é sem dúvida uma atividade que pode propiciar a integração social. Esta mensagem de superação que o Rui Moreira e o António Sá Pereira nos passam é muito importante para o trabalho em equipa.”