Prever os sinais do futuro

Football Talks

“Não compliquem, ponham os miúdos a fazer aquilo que eles gostam”, alertam especialistas em futebol de formação.

Numa Liga em que a maior parte dos clubes não consegue ter condições financeiras para ombrear com os principais rivais europeus, o papel da formação assume particular importância para a respetiva sustentabilidade, tanto desportiva como financeira. Criar jogadores com qualidade para se imporem numa competição dura e exigente – de recordar que Portugal ainda ocupa o sexto lugar do “ranking” da UEFA, embora esteja agora um posto abaixo, ultrapassado que foi pela Holanda, outro país formador – e capazes de proporcionarem receitas extraordinárias com transferências a peso de ouro para as ligas do top-5 é um desafio essencial para a sobrevivência dos clubes nacionais.

O painel “Elevar a qualidade do jogador e do jogo” contou com a presença dos principais quatro clubes portugueses, grandes responsáveis pelas “fornadas” de craques que continuam a alimentar a Seleção Nacional e os clubes do Velho Continente. Mas ficou, sobretudo, o alerta para a forma como as coisas estão a ser conduzidas neste momento para os mais pequenos.

O primeiro tema abordado passou exatamente pela grande qualidade que surge dos escalões de formação. Hugo Vieira, representando o SC Braga, garante que é o “todo”: “A qualidade dos jovens, os recursos humanos que temos à disposição, há todo um staff à disposição do talento que vai nascendo.”

Pedro Mil-Homens, diretor-geral da formação do SL Benfica, garantiu com humor que não é a qualidade da água. “Se fosse, era fácil. Não é possível ignorar o ecossistema, de o futebol ser a modalidade rainha em Portugal. Há condições naturais de jovens que foram expostos desde o nascimento aos estímulos que ajudam ao desenvolvimento do talento. Devemos procurar gerir o futuro e não pensar que vai ser sempre igual ao presente. Temos de ser capazes de recriar e procurar antecipar, encontrar estratégias, isto para todos nós. Devemos fazer com que essa água continue a existir”, afirmou.

Filipe Ribeiro, do FC Porto, aponta que “o fenómeno Cristiano Ronaldo é um espelho para todos os jovens, cria os sonhos e nós temos de orientar esses sonhos”. Já Paulo Noga, diretor do Sporting CP, refere o facto de sermos “muito competitivos a nível desportivo” mas aproveitou desde logo para um grande problema das novas gerações: “A paixão dos pais. Temos de refletir sobre isso.”

Pedro Mil-Homens foi o mais incisivo, numa posição unânime entre o painel. “Hoje em dia, é tudo muito precoce e não sei se isso é bom. Os pais projetam no filho aquilo que não foram e não são justos para ele, que é uma criança. Há ainda outra questão, que é a excessiva aproximação dos agentes nas idades jovens. É um exagero. Temos de nos perguntar o que deve ser feito e se estamos a fazer o que é correto. Tenho ideia que não, e aqui incluo todos nós. Por exemplo, a federação alemã está neste momento a rever toda a organização competitiva abaixo dos sub-11. O ecossistema onde cresceram Cristiano Ronaldo, Figo ou Rui Costa não foi este. É um problema em que não há soluções milagrosas, há necessidade de mais Football Talks como este.”

Por isso, é importante abrir espaço para outra abordagem, que dantes se fazia naturalmente no futebol de rua, jogado apenas por diversão, sob o risco de os miúdos perderem rapidamente a paixão pelo jogo. “É uma preocupação”, assinala Hugo Vieira. “Desde o meu tempo melhorou quase tudo, as condições e os recursos são mais qualificados. Mas há um grande problema, que é de vermos miúdos de 10/12 anos a assinarem papéis de representação, que na verdade não valem nada mas mexem com eles e com as expectativas deles e dos pais.”

“Sabemos que é entre os 6 e os 11 anos que o sistema nervoso das crianças tem plasticidade para aprender. Os treinadores não ensinam nada, são os atletas que aprendem. Os professores ajudam a aprender. O jogo de hoje nestes escalões está a matá-los”, acrescenta Pedro Mil-Homens, que também apontou baterias aos técnicos: “Precisamos de olhar para a formação de treinadores dos níveis 1 e 2, é aí que tudo começa. Encontrar uma forma inteligente de os levar a perceber que não vão ser o Mourinho dos sub-7. Transformando aquela canção dos Pink Floyd: Hey, coach, leave the kids alone”.

Paulo Noga concordou: “Keep it simple. Não compliquem, ponham os miúdos a fazer aquilo que eles gostam. Já são poucos os meninos diferentes que aparecem. Querem replicar os modelos dos adultos para os jovens.”

De qualquer forma, o jogador do futuro terá de ser diferente. “Vejo um jogo mais intenso do que hoje, vejo um jogador mais competente, com cada vez menos tempo para pensar e atuar. Mas temos de olhar para o problema da carga horária escolar, que é tremenda, comparada com a de outros países. Temos pouco tempo para trabalhar com os miúdos, que também têm pouco tempo para descansar”, referiu Hugo Vieira. Mesmo que, diz Filipe Ribeiro, “o jogador se adapte" às circunstâncias e à exigência: “Por isso, o nosso desafio mais aliciante é ver à frente. Numa época em que há muitos números, é preciso o olhar diferenciado do treinador”.

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